domingo, 2 de outubro de 2011

"O G é um Gato Enroscado



O G é um Gato Enroscado
de João Pedro Messeder
Edição/reimpressão: 2003
Páginas: 32
Editor: Editorial Caminho

Plano Nacional de Leitura
Livro recomendado para o 2º ano de escolaridade destinado a leitura autónoma e/ou leitura com apoio do professor ou dos pais.

João Pedro Mésseder vem-se confirmando com um dos valores mais seguros da renovação da poesia portuguesa para a infância. Os seus poemas e as ilustrações brilhantes e inovadoras de Gémeo Luís criam neste livro uma combinação irresistível.


Pseudónimo literário de José António Gomes.
Nasceu em 1957, no Porto, e aí completou os seus estudos universitários. Publicou livros de poesia como A Cidade Incurável (1999), Ordem Alfabética (2000), Fissura (2000, Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho), Espuma (2001) e À Noite as Estrelas Descem do Céu (2002). É ainda autor de livros ilustrados para crianças: Versos com Reversos (1999, nomeado pela Associação Portuguesa para a Promoção do Livro Infantil e Juvenil para a «Lista de Honra do IBBY» de 2000), De que Cor é o Desejo? (2000), A Couve, as Calças e o Burro (2004) e Não Posso Comer Sem Limão (2004).


Um livro


Levou-me um livro em viagem
não sei por onde é que andei
Corri o Alasca, o deserto
andei com o sultão no Brunei?
P’ra falar verdade, não sei

Com um livro cruzei o mar,
não sei com quem naveguei.
Com marinheiros, corsários,
tremendo de febres e medo?
P’ra falar verdade não sei.

Um livro levou-me p’ra longe
não sei por onde é que andei.
Por cidades devastadas
no meio da fome e da guerra?
P’ra falar verdade não sei.

Um livro levou-me com ele
até ao coração de alguém
E aí me enamorei -
de uns olhos ou de uns cabelos?
P’ra falar verdade não sei.

Um livro num passe de mágica
tocou-me com o seu feitiço:
Deu-me a paz e deu-me a guerra,
mostrou-me as faces do homem
– porque um livro é tudo isso.

Levou-me um livro com ele
pelo mundo a passear
Não me perdi nem me achei
– porque um livro é afinal…
um pouco da vida, bem sei.

O G é um gato enroscado, João Pedro Mésseder


Os heróis dos livros


Deflagravam guerras,
morriam presidentes,
vulcões despertavam,
tufões desfaziam cidades inteiras.
Pouco soube porém
do que se passava nos confins da Terra.
Porque perto, muito perto de mim,
os cavalos do Pony Express
deixavam atrás do galope
um rasto de poeira do deserto,
e no Kentucky Daniel Boone
batia-se com os Shawnees
em combates de vida ou de morte;
Spártaco em Cápua levantava os escravos,
e na esplanada do Café do Gato
com os dedos sujos de graxa
Pepe salivava
diante do homem gordo
ao molhar churros quentes
numa chávena fumegante;
os meninos da gruta
na Nova Zelândia
fugiam de casa para a montanha
e do alto observavam
no vale os pequenos adultos;
o pai, Sandália de Vento,
e o filho, Sapato de Fogo,
corriam mundo mochila às costas,
como dois velhos amigos;
e Rudi, o rapaz da Steinstrasse 16,
ali, bem ao pé da porta,
crescia desvendando um mistério
para provar a sua inocência:
Não fui eu quem roubou o relógio,
não fui eu quem roubou o relógio.
Por causa de todos eles,
pouco soube das fomes, das cheias,
dos temporais e das batalhas
que varriam o mundo no meu tempo.
Mas Boone,
Spártaco,
Pepe,
Rudi,
Sapato de Fogo
e os outros,
no escuro sótão da minha infância,
no coração de uma cidade de granito,
olhavam-me nos olhos,
rosto diante de rosto:
gente de palavras
com cara-de-muitos-amigos.
E no centro do centro do mundo,
desse vasto mundo tumultuoso,
eu aprendia os sonhos dos homens,
decorava as dores dos homens
e neles me conhecia.

O G é um gato enroscado, João Pedro Mésseder

"Nos vinte e quatro poemas contidos nesta colectânea, encontramos um discurso sensivelmente experimentado e atento ao valor das palavras, pressentindo-se ressonâncias da poesia da tradição, a par de ecos de alguns livros e dos seus heróis (por exemplo, em «Os heróis dos livros»), numa espécie de elogio realizado desse mundo pelo qual o sujeito poético gosta de se aventurar: o mundo das palavras.

O passado – da infância e das leituras, por exemplo – e o tempo, em geral, bem como os elementos da natureza surgem, aqui, a cada passo metaforizados e tratados simbolicamente, um percurso estético que a expressiva componente pictórica acaba por corroborar. " daqui

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